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Dia das Mães: ‘existe poder de restauração através do amor’, diz mulher que adotou quatro irmãos no Grande Recife
8 maio 2022|Postado em:RECIFE

Isabel e Cory Gali posam com os filhos Ruan, de 15 anos, e os trigêmeos Rayane, Renato e Ryan, de 10 anos, em foto feita por amiga da família, Keila Martins — Foto: Isabel Gali/Arquivo pessoal
Isabel Gali, de 25 anos, e o marido, Cory, adotaram Ruan, agora com 15 anos, e os trigêmeos Renato, Rayane e Ryan, de 10 anos. Esse é o primeiro ano com a guarda dos quatro.
O Dia das Mães, celebrado neste domingo (8), tem um significado ainda mais especial neste ano para a missionária Isabel Gali, de 25 anos. É a primeira vez que ela celebra a data com os quatro filhos: Ruan, de 15 anos, e os trigêmeos Rayane, Renato e Ryan, de 10 anos (veja vídeo).
“Eu não me imagino em outra vida, sem ser mãe desses quatro. […] Com amor e presença, carinho, educação, tudo muda. Tudo que foi feito errado é restaurado, é nisso que a gente acredita. Existe um poder de restauração através do amor”, afirmou.
Em 13 de maio, faz um ano que Isabel e o marido, Cory Gali, de 26 anos, receberam em casa os quatro filhos para iniciar o estágio de convivência, quando filhos vão morar com os pais, mas ainda é um “período de teste”.
Em novembro, a adoção foi confirmada e o casal conseguiu a guarda definitiva, recebendo as certidões que confirmavam serem os pais dos quatro.
Agora, os seis moram em uma casa em Camaragibe, no Grande Recife, onde fica o projeto em que o casal trabalha, o Jovens com Uma Missão (Jocum).
“Há um ano atrás, eu estava com eles ‘na barriga’, eles não tinham ‘nascido’. Então, o sentimento de ser mãe aqui dentro na barriga. Agora, vai ser ter eles nos meus braços. É o sentimento de uma mãe que pariu”, declarou Isabel.
Amor à primeira vista
A história de Isabel com os filhos começou bem antes da decisão de adotá-los. Ela e o marido trabalhavam em uma casa de acolhimento para meninos mantida pelo projeto em que trabalham em Camaragibe, no Grande Recife em um sítio, onde também fica a sede do Jocum.
No mesmo terreno, existem também a casa de acolhimento de meninas e as residências dos obreiros, como são chamados os missionários e voluntários, além de uma escola comunitária e um café.
“Eu sempre quis adotar, mas quando eu entrei no sistema de acolhimento, eu tive a certeza de que eu queria adotar um grupo de irmãos e uma adoção tardia. Quando você vê a situação dentro do abrigo, esse é o perfil que está lá”, contou.
Já faziam quatro anos que Isabel trabalhava com acolhimento quando o Conselho Tutelar avisou que mandaria um grupo de irmãos: Renato e Ryan tinham 8 anos; Ruan, 12 anos.
“A gente sabia que iam chegar esses três irmãos e que eles tinham uma irmã, mas que só iam chegar os três meninos. Meu Deus! Eu me apaixonei por eles à primeira vista”, recordou.
No acolhimento, explicou Isabel, a orientação dada a quem trabalha é para não iludir as crianças. “Tinham muitos meninos que falavam que só seriam adotados se fosse pela gente. Era de partir o coração. A gente tinha que explicar que não ia adotar”, recordou.
No entanto, o casal percebeu que o carinho com os três irmãos era diferente. Pouco tempo depois da chegada dos três irmãos, a Rayane foi enviada para a casa de acolhimento de meninas. A mãe biológica deles havia falecido e não havia parentes que assumissem a guarda.
“Um dia, quando eles ficaram aptos para adoção, começaram a aparecer pessoas para adotar só a Ray ou só os três meninos, mas nunca os quatro. Isso doía o meu coração porque esses meninos são apaixonados uns pelos outros. Era muito fofo, eles pediam para ir dar um abraço na irmã”, disse.
Isabel repetia para si mesma que o melhor lugar para as crianças era em uma família. “Quando a gente começou a perceber que tinha uma coisa muito forte com os meninos, começou: e os outros [meninos do acolhimento]? Como isso vai ser processado pelo coração deles? Que a gente escolheu um e não os outros?”, recordou.
Passeio e decisão
Em janeiro de 2021, Isabel e Cory levaram, junto com outros missionários, as crianças e adolescentes das duas casas de acolhimento para um dia em um parque aquático. Entre eles, estavam os quatro irmãos.
Ao passar o dia com eles, o casal notou o quanto queriam, de fato, que os irmãos crescessem juntos e, mais do que isso, fossem filhos deles. “Eu vi Cory segurando a mochila de Ray e a mão de Ryan. Estava de trás e achei uma cena linda. Mexeu com meu coração”, contou Isabel.
Em casa, os dois começaram a ponderar o que iria mudar na própria vida com essa decisão. “A gente foi muito consciente, não foi pela emoção que existia. Se a gente toma essa atitude, o que da nossa vida vai estar mudando? A gente foi pontuando, vai ser um aumento de dois para seis”, disse.
“Tudo que a gente pontuou, nada valia mais a pena do que estava em jogo, que era os quatro crescerem juntos. Adoção é uma via de mão dupla: você está adotando e os filhos estão lhe adotando como pais”, declarou.
Processo de adoção
O primeiro passo para conseguir adotar qualquer criança é se habilitar junto à Justiça. Isabel e Cory, então, procuraram a Vara da Infância e Juventude de Camaragibe. No entanto, havia um casal antes deles que também queria adotar os irmãos. Como não deu certo esse processo, foi dada oportunidade aos dois.
“O processo foi como a gente orou: ‘eu quero que as portas se abram se for da vontade do Senhor. Não vou arrombar nenhuma porta, não vou escancarar. Se essa for a vontade do Senhor, a gente vai bater e as portas vão se abrir’. E assim aconteceu, todas as portas foram se abrindo”, disse Isabel.
Um dos pontos que preocupava era a idade do casal. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê uma diferença mínima de 16 anos entre adotado e adotante. Isabel é apenas dez anos mais velha que Ruan.
“Quando apareceu a questão da nossa idade, a psicóloga falou ‘não, eu vou falar com a juíza porque esse é o único ponto, mas eu vejo que é uma coisa que funciona porque vocês já trabalham com Ruan’. Em janeiro a gente decidiu, maio eles estavam na nossa casa”, contou a mãe.
Titular da Vara da Infância e Juventude do Recife, a juíza Hélia Viegas explicou que, embora o ECA preveja a diferença de idade, o objetivo principal é garantir o bem-estar das crianças e adolescentes.
“O estatuto estabelece um limite de 16 anos na diferença entre o adotante e o adotando, mas que pode, na jurisprudência dos tribunais, relativizar no melhor interesse de quem vai ser adotado”, explicou a magistrada.
Convivência e certidão
Foi em maio que Isabel e Cory conversaram com os quatro e perguntaram a eles se queriam fazer parte da família. Com o de acordo e autorização da Justiça, foi iniciado o estágio de convivência na mesma casa.
“Tomamos uma decisão de adotar, foi uma escolha. Não tínhamos experiência, mas estávamos certos de que era isso que queríamos. Acho que lembrar disso nos mantém sempre firme no nosso relacionamento entre família. Foi a segunda melhor decisão da minha vida, depois de ter casado com a Isabel. Sem ela não seria possível essa família”, declarou Cory.
As certidões dos quatro foram entregues para os pais depois de confirmada a guarda. Embora já se sentisse mãe deles, Isabel relatou ter ficado emocionada.
“Eu sempre quis adotar porque acredito que a adoção muda o destino de uma criança. Então, ver o nome deles mudado, eu: pronto, a vida deles é outra. Eles vão ser o que eles quiserem, vão fazer o que eles quiserem. No que depender de mim e de Cory para acreditar, para investir, para fazer o que tiver a nossa altura como pais, eles vão alcançar”, declarou a mãe.
A convivência em família foi marcada por desafios, todos superados com amor. “É inspirador ver Isabel sendo mãe. É muito fácil achar que, por ser casado com ela, não me inspira ou impressiona. A mulher é incrível, primeiro com o esposa e, agora, como mãe. Eu me sinto encorajado de dar o melhor de mim para os nossos filhos do jeito que vejo ela fazendo”, relatou Cory.
Conscientização
Depois de conseguir a guarda definitiva, o casal passou a utilizar as redes sociais para mostrar a convivência da família e sensibilizar outras pessoas sobre adoção. “Eu quero mostrar que adoção é algo possível. Quero mostrar que você pode adotar e que família não é família adotiva, é família. São filhos e ponto. Não tem essa”, contou Isabel.
Para a missionária, é importante criar uma cultura de adoção, de forma a desmistificar alguns pontos, que ela já ouviu ao trabalhar no acolhimento.
“Quando tiver, não vai mais existir os preconceitos e as falsas crenças, como ‘depois dos 8 anos a criança já tem o seu caráter, ela não muda’. Que nada, eu tenho 25 anos e eu mudo constantemente”, disse Isabel.
Opinião semelhante tem a juíza Hélia Viegas. “Nós adultos não somos assim [imutáveis], nós mudamos, amadurecemos em tantos aspectos, condutas, valores que tínhamos são passíveis de mudança. Isso aí é ser humano”, ressaltou.
Conseguir quem adote grupos de irmãos, como os adotado por Cory e Isabel, e de crianças e adolescentes mais velhos é um dos desafios de quem trabalha na área.
“Aquelas crianças e adolescentes que hoje estão no cadastro sem pretendentes são aquelas cujo perfil não é o normalmente idealizado: faixa etária mais elevada, problema de saúde, grupo de irmãos”, disse Hélia Viegas.
Em Pernambuco, há o Projeto Família, que dá visibilidades para crianças e adolescentes que estão disponíveis para serem adotados. O projeto, nascido em 2009, foi reformulado em 2016 e passou a utilizar postagens nas redes sociais, em que os meninos e meninas se apresentam e contam um pouco de sua história.
Ao longo dos anos, a iniciativa possibilitou 228 adoções nacionais e 35 internacionais. “São crianças e adolescentes que não tinham pretendentes, que eram invisíveis: que tem deficiência, de idade elevada. A sociedade precisa conhecê-los. Não faltam pretendentes para bebês”, relatou a juíza.
As fotos e depoimentos ficam disponibilizados nas redes sociais administradas pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção de Pernambuco (Ceja-PE), por onde também é possível entrar em contato.
Todo processo de adoção começa em uma Vara da Infância e da Juventude, onde os adotantes devem apresentar a documentação necessária, que pode ser consultada no site do TJPE. Não é preciso advogado para isso. É preciso também participar do curso de formação de pretendentes da adoção, que é gratuito e oferecido pelo judiciário.
“Formalizado esse pedido, ele vai passar por uma entrevista, por uma psicóloga, assistência social. Verificadas as condições, vai ser deferido o pedido e ele vai ser inscrito no chamado sistema nacional de adoção e acolhimento. É o nosso cadastro nacional de adoção (CNA). Ele vai estar apto a adotar uma criança, um adolescente no perfil que ele escolher”, explicou.
Depois disso, são cruzadas as informações do CNA com as preferências do adotante e, assim, é iniciado o processo para adoção, que inclui fases de aproximação e convivência antes de confirmada a adoção.
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