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Lições da História com Evaldo Costa traz “O Recife e a luta pela água”

O RECIFE E A LUTA PELA ÁGUA

 

Quem vai ao banheiro e abre o chuveiro, de manhã cedinho, se preparando para a luta diária, está acostumado a ver a água jorrar, quase infalivelmente. Parece simples. Mas, para a água chegar até ali muitos recursos são empregados, muito trabalho precisa ser feito e um longo caminho tem que ser percorrido. Do córrego à barragem, do rio à adutor.

É também uma longa viagem no tempo.

No Recife, a organização responsável, nos dias de hoje, pela tarefa de colher, tratar e distribuir a água é a Compesa, sucessora de uma série de outros órgãos que se revezaram desde a primeira metade do século XIX.

O primeiro entre estes foi criado em 1838 pelo Governo Provincial por inspiração do movimento higienista. Chamava-se Companhia do Beberibe, criada para trazer água do Rio Beberibe e colocá-la em treze chafarizes na área central da cidade, e nas casas de quem pudesse pagar.

Mas o projeto ficou complicado demais e outros estudos mostraram ser mais indicado construir uma barragem em Dois Irmãos. O açude do Prata existe até hoje, mas demorou muito para que o sistema todo ficasse pronto. A água demorou tanto a chegar à região central do Recife que um grande chafariz teve que ser feito no bairro do Monteiro (o lugar ficou conhecido como Porta d’Água), onde canoeiros se abasteciam para atender a clientela da cidade, como faziam há séculos.

Quando, por volta de 1881, a água encanada finalmente chegou, surgiram novos problemas. Explodiram centenas de casos de pessoas com sintomas de intoxicação, principalmente fortes cólicas. Causa: contaminação pelo chumbo utilizado nas tubulações. Os jornais da época retrataram a alta temperatura do debate entre a classe médica, respaldada em laudos de médicos franceses, e a direção da Companhia. A substituição da tubulação inadequada teve que ser feita a qualquer custo.

Descobriu-se ainda que para minimizar as queixas pela quantidade insuficiente da água fornecida, a empresa passou a captar água de um charco e misturá-la, sem nenhum tratamento, com a vinda do Prata. Foi, pode-se dizer, a gota d’água no mar da insatisfação. Na virada do século, a impopularidade da Companhia era absoluta. Seus equipamentos eram depredados pela população, tentando retirar mais água do que recebia regularmente.

Paralelamente, em 1846, o Governo Provincial concedeu a uma companhia privada – a Pernambuco Drainage, de capital inglês – o direito de exploração dos serviços de esgotamento sanitário. Era um sistema rústico: a Companhia instalava latrinas nas casas, que eram limpas uma vez por mês por empregados dela. Não deixava de ser um avanço numa cidade na qual a população ainda utilizava escravos – chamados de tigres – para despejar nos rios, a cada dia, os dejetos produzidos em casa.

Em 1909, depois de décadas de processos judiciais, o governador Herculano Bandeira decidiu romper o contrato, incorporar prédios e equipamentos das duas empresas e estatizar o serviço. O engenheiro Saturnino de Brito foi convidado para estudar possíveis soluções e criar o Departamento de Saneamento do Estado (DSE), o que aconteceu dois anos depois.

O DSE funcionou até 1971, quando foram criadas duas empresas estatais para administrar o serviço. O SANER se encarregaria do Recife. A Compesa, de todo o Estado. Anos depois as duas organizações se fundiram com o nome da segunda, mantido até hoje.

Chegou-se, então, ao melhor dos mundos?

Longe disso. Problemas complexos não têm solução simples. Nem rápida. Hoje se fala em privatizar os serviços de saneamento e de abastecimento de água como se fosse a última novidade. Basta olhar um pouco um passado não tão distante para entender que organizações privadas e estatais vêm se revezando ao sabor das crises.

No decorrer desta longa história houve bons e maus momentos, resultantes menos dos modelos que da vontade política e da capacidade gerencial. Há um acúmulo de projetos que fizeram a diferença. Houve o Prata, Gurjaú, Duas Unas… E, mais recentemente, vieram Tapacurá, Botafogo e Pirapama, esta a maior delas, construída na gestão Eduardo Campos, para aumentar em 50% a capacidade do sistema implantado em quase 200 anos. Ou seja, temos avanços para comemorar e desafios para enfrentar. E nos daremos melhor se soubermos de onde viemos, que erros cometemos e que acertos nos trouxeram até aqui.

Não há outra forma de chegar aonde queremos chegar.

Ouça aqui o Lições da História: https://www.cbnrecife.com/podcast/licoes-da-historia

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Evandro Lira

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