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Ana das Carrancas: a ‘Dama do Barro’ que se tornou um símbolo da cultura pernambucana completaria 100 anos

18 fev 2023|Postado em:Notícias

 

Museu de Ana das Carrrancas, em Petrolina — Foto: Emerson Rocha / g1 Petrolina

Falecida em 2008, Ana Leopoldina Santos completaria 100 anos neste sábado, 18 de fevereiro. Com o barro, a artista deu vida e um estilo próprio às carrancas, figura símbolo do Velho Chico.

Nascida no dia 18 de fevereiro de 1923, em Santa Filomena, então distrito de Ouricuri, no Sertão de Pernambuco, a artesã Ana das Carrancas completaria 100 anos neste sábado. A artista, que faleceu no dia 1º de outubro de 2008, fez do barro o seu instrumento. Foi com a argila, generosamente doada pelo rio São Francisco, que Ana Leopoldina Santos deu vida e um estilo próprio às carrancas, figura símbolo do Velho Chico.

O centenário de Ana das Carrancas é o tema do carnaval de Petrolina, cidade pernambucana banhada pelo Velho Chico, onde a artesã criou as três filhas e viveu até o final com o segundo marido e grande companheiro, José Vicente. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) institui 2023 como “Ano comemorativo Ana das Carrancas”, em homenagem aos 100 anos da artista.

Maria da Cruz, filha de Ana das Carrancas — Foto: Emerson Rocha / g1 Petrolina

Essas e outras homenagens mostram o tamanho e a importância de Ana das Carrancas para a cultura popular pernambucana e brasileira. “Eu acho que Ana era uma pessoa além do tempo dela. Era muito inteligente. Ela tirava água de pedra, tinha muito jogo de cintura. Acho que o que ela veio fazer, fez bem-feito”, acredita a filha e herdeira do dom transformar barro em carrancas, Maria da Cruz.

Biógrafo da artesã, o jornalista e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Emanuel Andrade, destaca a força do trabalho de Ana das Carrancas, capaz de superar as fronteiras de Pernambuco.

“Muitas pessoas acham que a carranca de Ana ficou concentrada apenas no Sertão, no Vale do São Francisco, na beira do rio. Houve uma exposição de Ana na Universidade de Niterói. Ana está sendo homenageada agora pela passagem do centenário na Uerj, Universidade do Rio de Janeiro. Ana tem peças fora do Brasil. Então, assim, ela conseguiu ir além de Pernambuco, além do Nordeste, mostrar seu trabalho”, diz o pesquisador, autor do livro ‘A Dama de Barro’, lançado em 2006.

Para o jornalista, “a própria Ana não sabia da dimensão que arte abria para ela”, ressalta Emanuel Andrade, completando. “Não foi à toa que com o passar dos anos ela se tornou cidadã de Petrolina, patrimônio vivo de Pernambuco, foi a Brasília [em 2005] junto a um elenco fantástico de todas as linguagens artísticas receber a Ordem do Mérito Cultural. Ela fez sua história que partiu do Sertão e ganhou o Brasil”.

‘A Dama do Barro’

Ana era uma artista autodidata. O manejo com o barro começou ainda criança, ajudando a mãe, Maria Leopoldina, na confecção de utensílios domésticos que eram vendidos nas feiras. O gosto pelas carrancas surgiu por volta dos anos de 1960.

As esculturas, que fazem uma mescla entre homens e animais e, segundo a crença popular, ajudavam a espantar os maus espíritos, protegendo as embarcações que navegavam pelo São Francisco, eram geralmente feitas de madeira. Com Ana, as carrancas passaram a ser confeccionas de barro, trazendo traços da ancestralidade da artista, uma mulher negra, descendente de escravizados e indígenas.

Ela dizia assim: se nessas alturas do tempo eu estou com essa pele escura, eu vim da África, não foi só a mistura do Brasil. Alguma pessoa que veio antes de mim, das minhas raízes, veio de lá. Então, eu vou homenagear as minhas pessoas, o povo da minha terra”, conta Maria da Cruz.

Outro traço marcante da obra de Ana das Carrancas é uma homenagem ao segundo marido e companheiro durante 54 anos, José Vicente, falecido em 2014. A cegueira do esposo foi transportada para as peças, que eram feitas com os olhos vazados.

Foi com as peças de barro que Ana das Carrancas encontrou uma forma de manter a família. Enquanto José Vicente fazia o trabalho pesado de amassar o barro, a artesã criava as obras que, ano após ano, iam ganhando espaço em outros estados e fora do Brasil.

Legado de Ana das Carrancas

 

Das três filhas, duas dão seguimento ao trabalho da mãe. Aos 66 anos, Maria da Cruz lembra da emoção de Ana da Carrancas ao descobrir o talento da filha, na época uma menina de apenas 8 anos.

“Mamãe teve uma encomenda de 500 peças para a inauguração do porto fluvial de Petrolina, umas barquinhas de 30 centímetros. Fiz uma peça escondida e quando mostrei para ela, ela disse: ‘Graças a Deus, de hoje em diante vou ter quem me ajuda’. Aí, ela chorou, eu chorei”, lembra Maria. A irmã Angela Lima é a outra artesã da família.

A tradição de mexer com o barro, que começou com dona Maria Leopoldina, mãe de Ana, deve parar nas irmãs Maria e Angela. Os netos da artesã seguiram outros caminhos profissionais.

“Infelizmente, na época, não dava dinheiro. Então eles não iam ficar fazendo trabalho que não dava dinheiro. Aí eles acharam estudar mais para fazer cursos. Tem professor, tem sobrinha minha que é coordenadora do município, tem outro que trabalha no Centro de Oncologia, tem um que trabalha no museu. Cada um trabalha em um local”.

Apesar da tendência para o fim da produção dentro da família, Maria destaca que o trabalho de Ana das Carrancas não desaparecerá. Ela diz ter um acerto com um dos sobrinhos para que ele mantenha o legado e a história da avó.

Ainda que ele não bote a mão no barro, mas que ele administre para o pessoal conhecer a vida e a obra de Ana. O que ela deixou não é para dar descaminho, não é para vender. Eu não quero que isso desapareça jamais. E quando não tiver mais para quem deixar, entrega a prefeitura que a prefeitura cuida”.

 

O trabalho de Ana fez com que a artesão recebe diversas homenagens em vida. Uma delas, no ano 2000, quando a Dama do Barro tinha 77 anos. Com apoio de instituições públicas e privadas, foi inaugurado o ateliê de Ana das Carrancas.

O espaço, que está localizado no bairro Cohab Massangano, em Petrolina, tem 600 metros quadrados e abriga um museu, com peças produzidas por Ana e fotos que mostram a trajetória da artista, além de um ateliê, onde as filhas seguem produzindo, e uma lojinha para a venda das peças.

Apesar da vasta produção cultural, neste centenário de Ana das Carrancas a filha Maria destaca que o principal legado da mãe está em sua história de vida, marcada por nunca desistir dos seus objetivos.

“Alguém vai tirar o exemplo de vida dela, a perseverança, a persistência, porque a se a gente não persistir, não chega lá. Eu acho uma virtude do ser humano é a persistência. Quanto mais você persiste, você alcança”.

Fonte: g1 PE

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