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Lições da História de hoje uma crônica tipo filme de “007” envolvendo EUA e a Líbia

1 fev 2020|Postado em:RECIFE

O RECIFE ENTRE OS EUA E A LÍBIA

 

Esta crônica foi escrita para ser lida enquanto você ouve música de suspense, do tipo que serve de trilha sonora para filmes de espionagem. Fala sobre um episódio dos anos oitenta, recheado de peripécias e de intrigas entre países, como se fosse um roteiro para filme de 007.

Foto:Facebook

Foi no tempo da Guerra Fria, em um mundo conturbado por disputas ideológicas e pela ação de lideranças poderosas. Observe quem mandava no mundo na época: o presidente dos Estados Unidos era Ronald Reagan, a primeira ministra da Inglaterra era Margaret Thatcher, o papa era João Paulo II, temos então algumas das figuras mais influentes do final do século XX. E tem mais: as principais lideranças do Oriente Médio eram Saddam Hussein e Muamar Kadafi. No Brasil, o general presidente era João Figueiredo.

Para avaliar a gravidade dos conflitos, atente para algumas manchetes de jornal da época: “Egito adverte Líbia sobre ameaça ao governo do Sudão”; “Israel desconfia até dos EUA no plano para retirada das tropas do Líbano”; “Rússia monta base na Líbia”; “Rebeldes afegãos proclamam vitória sobre soviéticos”; “Reagan consegue mais ajuda para El Salvador”; “Reagan e os riscos para a América Central”.

Foi neste ambiente internacional que, no dia 17 de abril de 1983, quatro aviões de carga pertencentes ao governo da Líbia pousaram para reabastecimento no Brasil, carregados com toneladas de armas de guerra. Um desses aviões, o Hércules, pousou aqui no Recife. Estas armas seriam levadas para abastecer a guerrilha sandinista, que tentava derrubar o governo da Nicarágua.

A FAB ter retido três destes aviões dominou o noticiário internacional. O presidente Figueiredo ficou na maior saia justa da história. Enquanto ele fazia uma viagem oficial ao México, Reagan mandava um recado para ele, como resposta às felicitações pelo aniversário, que queria um presente: a retenção definitiva dos aviões e das armas líbias. Já o presidente Kadafi mandou uma mensagem bem mais pragmática: ou o governo brasileiro liberava os aviões com as armas para seguirem viagem, ou cancelaria os bilhões de dólares em compras de aviões e armas que abasteciam seu exército.

Enquanto a diplomacia trabalhava, o Recife vivia seus dias de centro da curiosidade internacional. Os tripulantes detidos ficaram hospedados no Hotel Boa Viagem. Eu era repórter da sucursal do Estadão e acompanhava esse dia-a-dia.

O piloto do Hércules era um escocês, de sobrenome Price, adequado para um mercenário de guerra, que passava dias e noites no bar do hotel, afogando-se em uísque escocês, saudade sabe-se lá de quê, de quem ou de onde. Ao mesmo tempo, estrangeiros mal encarados circulavam pelo hotel, vizinhança e praia disfarçados de espiões.

Dois repórteres fotográficos pernambucanos – Luiz Chagas, do Diário de Pernambuco, e Pedro Luiz, de O Globo, chegaram a subornar os garçons do hotel para conseguirem entrar no quarto dos líbios junto com as bandejas do almoço, e capturar ao menos uma foto. Digamos que as coisas não saíram bem como planejaram. Eles e as máquinas terminaram quebrados.

Como resolver um imbróglio deste tamanho?

O general Figueiredo fez o certo: ouviu e pôs em prática as orientações do Itamarati e saiu da sinuca de bico com uma solução salomônica. Nem foi subserviente aos Estados Unidos como os americanos (e alguns brasileiros) queriam, nem se apequenou diante dos interesses comerciais: mandou de volta os aviões para a Líbia, um de cada vez. Um só saía quando o outro chegasse lá. Reagan fez muxoxo, Kadafi fez beicinho, mas ficou assim, nem tanto ao mar, nem tanto à praia. O Brasil sendo o Brasil, dono do seu destino e sem se meter em confusão alheia.

A diplomacia brasileira é reconhecida mundialmente há séculos. Somos talvez o único país do mundo que tem um diplomata como um herói nacional. E um dos poucos a ter acréscimo territorial por ação do barão do Rio Branco. Mais tarde, Rui Barbosa brilhou em Haia, Epitácio Pessoa comandou a paz de Versalhes, na Primeira Guerra Mundial, e Oswaldo Aranha inaugurou a ONU. E resolveu, com inteligência e bons modos, a crise dos aviões líbios, reduzindo a comédia de erros que poderia ter tido um desfecho trágico.

Ouça aqui o Lições da História: https://www.cbnrecife.com/podcast/licoes-da-historia

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