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Tração animal pode ter proibição adiada no Recife

28 fev 2021|Postado em:RECIFE

Paulo Paiva/DP.

Maus-tratos, promessas e vulnerabilidade social escancaram decreto que proíbe carroças puxadas por animais na Capital pernambucana

“Tem uns carroceiros que andam batendo nos cavalos. Eu paro e reclamo. Isso não está certo, porque a gente vive deles. Temos que cuidar”. O depoimento de Ivanildo Gomes de Lima, 49 anos, que há quase uma década utiliza a carroça e um cavalo no transporte de papelão, ilustra a problemática que cerca o uso dos veículos de tração animal no Recife, marcado por equinos que em algumas circunstâncias são vítimas de maus-tratos e, paralelamente, por pessoas em situação de vulnerabilidade que têm nessa atividade uma alternativa para arrecadar alguma renda com a venda de recicláveis.

Desde 2013, a capital pernambucana dispõe de lei que proíbe a circulação de veículos de tração animal, condução de animais com cargas e trânsito montado. A legislação só foi regulamentada pelo Poder Executivo em 2019, com o prazo de dois anos para ser implementada gradualmente. Conforme as previsões legais, a aplicação deveria ter começado neste mês de fevereiro. De acordo com a prefeitura, em função da pandemia não houve tempo hábil efetivar a regulamentação e uma eventual ampliação do prazo está em análise.

“Em decorrência da crise sanitária da Covid-19 e da necessidade de cumprimento de medidas de prevenção ao novo coronavírus, algumas ações previstas no programa foram paralisadas”. Entre essas ações estava a inserção dos carroceiros em cursos educacionais e profissionalizantes. Conforme dados da Secretaria Executiva de Direitos dos Animais (Seda), neste ano já foram registradas 112 queixas de maus-tratos contra animais no município. Apesar de não haver distinção entre as espécies, os dados indicam quase duas denúncias ao dia.

A presidente do Movimento de Defesa Animal, Goretti Queiroz, que atua na causa há 12 anos, considera que o primeiro passo para a implementação da lei é a abordagem educativa. “Para que a gente pudesse, num breve espaço de tempo, começar a fazer alguma coisa em relação a esse problema que a sociedade tanto crítica e cobra, teria que começar um trabalho de conscientização, junto aos carroceiros, de que a lei vai entrar em vigor”, relata. A ativista, que também é presidente do Projeto SOS Cavalos, afirma que solicitou reunião com o poder público para levar sugestões.

A ativista também acredita que a lei deveria ser implementada em todas as cidades do estado, por visar a segurança no trânsito, combater o trabalho infantil e a integridade dos animais. “A legislação visa não só a questão dos animais, mas sim três assuntos. O Estatuto da Criança e do Adolescente é infringido diariamente à vista das autoridades, pois as carroças são muitas vezes conduzidas por crianças, que estão trabalhando quando deveriam estar na escola. A terceira lei desrespeitada é sobre os maus-tratos. Estipula que machucar, agredir, deixar o animal com fome e com sede, sem condições de sobrevivência, é crime”.

Entre as reivindicações de Goretti está a realização de blitzes preventivas. “Muitas dessas carroças também são utilizadas no tráfico de drogas. Uma das sugestões é que passem a ser fiscalizadas, que o condutor seja identificado e que a carroça seja vistoriada.”

Trabalhadores temem ficar sem nenhuma renda após vigência

Representante dos carroceiros do Recife, Neno Ferrador gostaria de uma solução que não passasse pela proibição total do ofício. “Com o fim da carroça, sem querer, vão maltratar mais ainda os animais. Serão levados para fora da cidade e muitos vão ficar no Sertão, onde a cada dez metros tem um deles morrendo de fome e de sede. Então o que vai ser desses animais? Vai voltar dessa área para morrer de fome e de sede?”, receia.

“O certo seria haver fiscalização e punição para quem comete maus-tratos. Há vários estados que emplacaram as carroças. Recife, por exemplo, foi a primeira cidade de Pernambuco a emplacar as carroças. Então, a solução não é acabar. Vai ser pior ainda”, avalia.

O carroceiro Ivanildo recolhia materiais recicláveis no bairro de Campo Grande, Zona Norte, com suas filhas de 16 e 19 anos, quando conversou com o Diario. Ele concorda que é preciso fiscalização. “Se a lei fosse para valer mesmo, eu preferia que tirassem os cavalos da mão dessas pessoas que ficam fazendo mal aos bichos. Eu tenho muita pena deles. E acaba sobrando também para quem tem o maior cuidado, as pessoas que cuidam”, explica.

Ivanildo conta que mora em Salgadinho (Olinda) e sustenta, através do trabalho com o cavalo Menino, de dois anos, quatro filhos e a esposa. O carroceiro disse estar preocupado com o futuro da sua única fonte de renda. “Eles querem tirar todos os cavalos das ruas. Mas eu pergunto, como é que o cabra vai viver? Como é que eu vou fazer?”.

“Em vez de melhorar para os pobres, só piora mais para a gente. Se eu pudesse reivindicar uma melhoria seria de um emprego para gente poder trabalhar. Seria isso, porque se for para tirar a gente das ruas, a gente vai ficar tudo parado. Eu não tenho leitura, queria um trabalho então”, pede.

DENÚNCIAS

Atualmente, os trabalhadores têm permissão de circular com as carroças das 9h às 16h e das 21h às 6h, nas vias coletoras; e das 9h às 17h e das 20h às 6h, nas vias locais. Conforme decreto de fevereiro de 2019, quem infringir a lei pode ter animal e veículo apreendidos e fica sujeito a uma multa de R$ 500 para reavê-los. As denúncias de maus-tratos a animais podem ser registradas através do telefone 0800 281 0040 ou pelo e-mail ouvidoria@recife.pe.gov.br.

Fonte: Diario de Pernambuco

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