Publicidade


Sucesso entre estressados, ‘salas da raiva’ permitem que clientes destruam objetos e causam controvérsias entre psicólogos

25 set 2021|Postado em:RECIFE

 

Sala da Raiva foi montada pela psicoterapeuta holística Andressa Braga na Zona Oeste do Recife — Foto: Pedro Alves/G1

No Brasil, há ao menos dois estabelecimentos do tipo: a Rage Room CT, em São Paulo, e a Sala da Raiva, no Recife. Clientes pagam pelos objetos que vão quebrar para extravasar sentimentos negativos.

Televisões de tubo, caixas de som e leitores de CD são aparelhos que, há até poucos anos, faziam sucesso em qualquer casa. Hoje obsoletos, eles viraram “saco de pancadas” para quem quer literalmente quebrar tudo em “salas da raiva”. Os locais, onde os clientes pagam para destruir objetos, têm sido criados por empreendedores para serem válvulas de escape de quem anda estressado.

Uma das salas montadas no Brasil fica na periferia de São Paulo, na Cidade Tiradentes, bairro da Zona Leste da capital paulista. Chamada de Rage Room CT (sala da raiva, em inglês, com o CT em menção ao bairro em que está localizada), a ideia foi inspirada em iniciativas semelhantes que pelo menos de desde 2008 são realizadas no exterior.

Os irmãos Vanderlei e Vitor Rodrigues Alves foram os responsáveis por pôr em prática o projeto paulista, em outubro de 2020. No Recife, em agosto de 2021, a psicoterapeuta holística Andressa Braga abriu a Sala da Raiva, segunda desse tipo em funcionamento no Brasil. Nos dois casos, o sucesso do empreendimento tem sido meteórico.

A ideia, apesar de nova no Brasil, já tem mais de uma década e surgiu em Tóquio, no Japão, em 2008, com a The venting place (o lugar para desabafar, em inglês). Atualmente, há estabelecimentos semelhantes em Lisboa, em Portugal; Orlando, Nova Jersey e Las Vegas, nos Estados Unidos; Glasgow, na Escócia; Pequim, na China, e Joanesburgo, na África do Sul.

Nas também chamadas de smash room (sala de quebrar) ou fury room (sala da fúria), as pessoas vestem roupas de proteção, escolhem e pagam pelos objetos que querem destruir e, com uma variedade de utensílios como tacos, marretas e machados, quebram tudo o que veem pela frente. O cliente paga pelos objetos, cujos preços variam entre R$ 1 e R$ 100, a depender do item. Até mesmo a parede pode ser alvo dos golpes.

Tanto para Vanderlei Rodrigues Alves quanto para Andressa Braga, a pandemia pareceu um momento propício para abrir as salas da raiva, como uma forma de tentar ajudar as pessoas a lidarem com as frustrações cotidianas.

“Nós acompanhávamos essas casas pelo YouTube e decidimos fazer um laboratório aqui na Zona Leste. Logo, começamos a chamar a atenção da mídia nacional. Vem gente de todo lugar do Brasil e o negócio ultrapassou muito o propósito inicial. Antes, era somente para as pessoas virem quebrar as coisas. Hoje, já servimos de cenário para ensaios fotográficos e clipes de MCs”, afirmou Vanderlei.

A Sala da Raiva do Recife, por sua vez, foi montada para servir como uma ferramenta de psicoterapia. A ideia surgiu quando Andressa viu um filme em que o marido leva a esposa a uma sala da raiva. Pesquisando, ela descobriu a existência da Rage Room CT e de estabelecimentos semelhantes, de fora do Brasil. Pôr a invenção em prática foi relativamente fácil e rápido.

Em agosto, ela alugou um espaço com poucos cômodos e destinou um deles à destruição dos objetos. As paredes foram revestidas de emborrachado preto e, no teto, foi instalada uma lâmpada colorida, controlável por bluetooth. O cliente é quem escolhe a cor da iluminação e a música que vai tocar enquanto ele quebra os objetos.

“Eu trabalho na área de psicologia com as emoções das pessoas. Primeiro, fiz uma sondagem com as pessoas com quem eu trabalho e a recepção foi boa. Meus pacientes foram as primeiras cobaias. Eu trouxe as pessoas que faziam tratamento comigo e que, de alguma forma, poderiam se beneficiar dessa ferramenta. Deu muito certo e começamos a fazer panfletagem, anúncios e parcerias nas redes sociais”, explicou a psicoterapeuta.

Nas duas salas, a experiência é extremamente personalizável. Ambos os espaços funcionam todos os dias, mediante agendamento, e aceitam grupos de até três pessoas. Equipamentos de proteção individual, como macacão, luvas, viseira, capacete e óculos são disponibilizados pelos locais. Na Rage Room CT, os clientes também podem comprar cerveja e refrigerantes no local.

O motoboy Márcio Santos foi à Sala da Raiva com a companheira Monique Silva, consultora de veículos, que está grávida de seis meses. A mulher, por questão segurança, esperou do lado de fora, mas ele prometeu que, passado o parto, pretende voltar ao local para levar a jovem.

“Eu vi o pessoal divulgando e decidi vir porque, hoje em dia, motoboy sofre muito com o trânsito. A gente trabalha com aplicativo e precisa chegar rápido em todo canto. Achei incrível. Quando coloca essa roupa de proteção, parece que sobe um poder em você. Eu pensava que ir a uma praia ou algo assim relaxava, mas me surpreendi com o quão eficaz é quebrar tudo. Se deixasse, eu ficaria horas”, brincou Márcio Santos.

A microempresária Karina Pires vai à Rage Room CT com frequência. A primeira vez foi para levar os funcionários da hamburgueria da qual ela é proprietária, na Zona Leste de São Paulo. Depois, se tornou um hábito ir ao local para desestressar.

“Levei minha equipe de trabalho e foi uma experiência em grupo. Foi bem divertido, na época, mas hoje em dia eu vou para aliviar as emoções, as sensações. É uma sensação intensa de alívio de carga. Para a gente que mora na periferia a sobrecarga é muito grande, e fazendo isso você bate nas coisas, fica cansada, tem bastante do aspecto físico envolvido”, afirmou.

O também motoboy Eduardo Teodoro, amigo de Márcio Santos, decidiu ir ao local junto com o amigo para extravasar o estresse. Ele disse que o cansaço físico deixado pela sessão também faz parte da experiência.

“A sensação é muito massa, é muita adrenalina. A sensação que fica, depois que acaba a sessão, é uma coisa que eu nunca senti. Cansa bastante, mas é um cansaço bom, recompensador, diferente do cansaço mental do dia a dia, de trabalhar, andar para lá e para cá. Nem vou malhar mais depois de todo esse esforço”, brincou.

Responsabilidade social e ambiental

 

Destroços de objetos quebrados nas salas da raiva são levados para centrais de reciclagem — Foto: Pedro Alves/G1

Destroços de objetos quebrados nas salas da raiva são levados para centrais de reciclagem — Foto: Pedro Alves/G1

Os empreendedores garantem que o compromisso com a sustentabilidade também foi pensado. Eles contam com a ajuda de catadores de material reciclável, que recolhem as peças e os entregam, mediante pagamento. Depois de quebrados, triturados e maltratados por toda a raiva dos clientes, os objetos voltam às cooperativas para serem reciclados.

“Oito famílias estão sendo beneficiadas pelo nosso projeto. Além disso, os moradores já armazenam as garrafas para nós. O que sobrou das sessões a gente descarta no caminhão da coleta seletiva. Nós descartamos mais de meia tonelada somente de vidro por mês. E são garrafas não retornáveis”, afirmou Vanderlei.

Expansão

 

Com a criação das duas salas, os empreendedores notaram uma rápida adesão do público e o interesse de outros empresários de implementar ideias semelhantes. O que começou com uma brincadeira excêntrica se tornou, então, um modelo de negócios que já promete se tornar uma rede de franquias Brasil afora.

“Tem muita gente dizendo que vem aqui, tanto para sentir a experiência quanto para fazer propostas de negócio. Estamos regularizando a patente e o objetivo é de abrir franquias. Temos pessoas interessadas em João Pessoa, Salvador, Natal. Espero que, em seis meses de funcionamento, já possamos abrir essas filiais”, declarou Andressa.

O investimento inicial de Andressa no negócio foi de R$ 1.800. Na Rage Room CT, os irmãos Vitor e Vanderlei gastaram R$ 10 mil para comprar equipamentos de segurança, alugar o espaço e, claro, os equipamentos a serem quebrados. Para eles, os planos para abrir franquias são ainda mais imediatos.

“Muito em breve um franqueado deve abrir uma unidade na região da Penha ou Tatuapé, aqui em São Paulo, e já estamos fechando com uma outra pessoa em Belo Horizonte. Fechando contrato, em uma semana a gente monta tudo e abre agenda”, afirmou Vanderlei.

As sessões duram tempos diferentes, a depender dos clientes. Nos dois locais, os proprietários se preocupam em não agendar pessoas em horários próximos, para evitar aglomerações. A média é de quatro agendamentos por dia, com sessões de meia hora de destruição e outro período de outras atividades, como orientações.

Extravasar é tratar?

 

A psicóloga Thaynã Figueiredo trabalha há quase dez anos com Terapia cognitivo-comportamental (TCC), uma abordagem da psicoterapia que lida com as conexões de comportamentos com sentimentos, emoções e pensamentos. Segundo ela, extravasar a raiva não resolve o problema.

“Acho isso até um pouco bizarro, porque é claro que a pandemia trouxe um ‘boom’ de sensações negativas e isso faz com que as pessoas busquem alternativas não saudáveis, porque geralmente boicotam muito os sentimentos e as emoções. Mas o ideal é cuidar disso, não extravasar. Quebrar um objeto não necessariamente vai fazer sua raiva passar. Porque você não vai refletir sobre o porquê de estar sentindo aquilo”, disse.

Para ela, o surgimento de locais como as salas da raiva pode ser um sinal perigoso de comportamentos sociais, cada vez mais ligados à violência.

“Você se ilude ao pensar que um comportamento violento, de quebrar alguma coisa, vai tratar algum sentimento. E, achando que isso dá certo, pode ser levado a outros comportamentos violentos. O ideal, sempre, é procurar terapia”, declarou.

O neuropsicólogo Hugo Monteiro Ferreira estuda saúde mental há cerca de 12 anos e afirma que a raiva, assim como todas as outras emoções, é um sentimento importante para a existência do ser humano. Segundo ele, essa sensação, por si só, não é positiva ou negativa, mas necessária.

“Raiva gera indignação, insatisfação, posicionamentos. A ansiedade, por exemplo, é protetiva. Faz com que você ponha as coisas em perspectiva, faça planejamentos. O que vai definir se as emoções são positivas ou negativas é a circunstância em que ela se dá. Se uma sala da raiva é um ambiente que evoca proteção, tudo bem”, afirmou.

 

Para Hugo, no entanto, é preciso cuidar dos conflitos que fazem com que a raiva surja. Isso porque extravasar esse sentimento não necessariamente significa tratá-lo.

“É preciso ter cuidado com a associação da raiva e violência. Porque a raiva, se não tratada, pode virar ódio, que é incontrolável e evoca a impulsividade. Além disso, nada me garante que a raiva que eu evoco no momento em que estou destruindo tudo numa sala também não vai ser uma experiência traumática para mim”, declarou o neuropsicólogo.

Fonte: G1 PE

Compartilhe:

Deixar uma resposta


You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*


%d blogueiros gostam disto: